Que seja leve

Eu dei a notícia de morte do meu avô para meu irmão e da minha avó para minha mãe. Esses foram até hoje os dois dias mais difíceis da minha vida. Não pela morte em si, na verdade, antes deles tive tios e tias, primos e primas pelos quais vi minha mãe chorar muito, mas quando foram seus pais aí a história mudou. A morte sempre rondou minha família, talvez seja um mal de família grande, e desde muito pequena convivi com ela. Vi tantas pessoas sofrerem por tanto tempo que enfim descansar parecia um alívio, finalmente um consolo. Quando meu vô se foi eu tinha sonhado com isso na noite anterior, acordei, corri pra cama onde ele estava, prostado há meses, totalmente diferente daquele homem forte que conhecia e me chamava de "minha neguinha"e me dava um abraço tão apertado que eu nunca soube o que era tristeza quando tava lá no interior, e talvez por isso goste tanto de mato. Eu bem sabia que aquele seria seu último sorriso, minha última benção. Meu vô sofreu muito antes de partir, para ele um homem do sertão, trabalhador, aquilo era o fim. Queria viver muito mais, mas não daquele jeito e já fazem 10 anos que ele se foi.

A morte nunca me incomodou muito, brinquei com ela desde antes de nascer, poderia não ter vindo a esse mundo e assim me vejo muito próxima da ideia de que morrer só é curso natural dessa alguma coisa que viemos fazer por aqui. O mais difícil é cuidar de quem fica. Desde meu avô, minha mãe, que era a mulher que resolvia tudo, chorava, mas continuava forte teve um grande baque e nunca mais foi a mesma quando a notícia era que alguém já não estava mais nesse plano. Minha mãe morreu um pouquinho naquele dia e isso não tinha mais como colar.

Diariamente temos uma não morte aqui em casa. A ideia de que alguém não tem mais desejo por viver pode parecer bizarra ou ingrata para muitos, mas viver como um morto é muito pior. Todos os dias morremos um pouco, mas não nos damos conta, não torcemos para que isso realmente ocorra. Não desejamos partir. Bem, não todos nós. Quando alguém deseja isso de fato e esse é o único pensamento dia sim e dia sim também a vida ganha um gosto amargo. Viver com um gosto amargo é terrível, porque morrer não é só o corpo desfalecer, morrer é deixar de desejar. Desejar é vital.

Foram dias tão difíceis, há 10 anos estava sendo desse mesmo jeito só que com a vida girando e trilhando outros caminhos, que mal sabíamos nós era só o início da caminhada. De novo, vem a morte, minha amiga, e me leva alguém. Nada tão forte como em 2006, mas sempre carregando um pedacinho da história. Difícil mesmo vai ser quando eu perder quem me deu vida nova nesse mundo, mas ainda assim, não sendo para amargar viver, morrer será a mais bela passagem de ida que dinheiro nenhum pode comprar.
E quero eu que quando eu me vá seja leve. Seja mar.

In memoriam do Tio Alfredo.

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