Seu Juarez e a saudade

Poderia ser só a história de um sorveteiro, mas na minha história Seu Juarez construiu um laço de aproximação que diz mais sobre amor, saudade e afeto mesmo que nossa relação não tenha sido familiar. É exatamente sobre a estranheza de alguém que com muito pouco transforma e vira revoada de vagalumes. 
Conheci a sorveteria, lugar mágico em plena Barão de Studart, na década de 90, meu pai e meu irmão costumavam ir para lá. Normalmente, depois de um domingo de praia em família ou se estivéssemos pela rua desesperadamente necessitados de sentir gosto de siriguella, tamarindo ou cajá era para lá que íamos. Eu, menina criada no meio dos matos do sertão, debaixo dos cajueiros, catando acerola para comer no pé descobri que podia relembrar, naquele lugar, meus sabores favoritos quando me faziam falta. Um caju gelado em forma de sorvete ou tangerina que parecia tirada do pé rapidamente me transportavam para a fazenda numa lembrança distante com céu estrelado.
Meu pai e meu irmão compartilhavam secretamente o desejo pelo sorvete de sapoti e eu até tentei provar algumas vezes, mas nunca foi meu preferido, pelo contrário, não entendia o porquê do fuzuê e imaginava, cá com meus botões, que devia ser alguma coisa "de garotos". Com o tempo, comecei a pensar se não era algo mais íntimo, quase um pacto de pai e filho, algo a se compartilhar, um segredo fiel entre eles. Nos últimos anos, éramos nós que levávamos pai e mãe para um passeio e dia de sorvete e entre eles ainda reinava o favorito, o sapoti. Eu ficava com mamãe nos outros sabores, ela e sua cajá e eu e minha tangerina, alternando entre outros nas épocas em que essas frutas não davam no pé. 
Seu Juarez era a figura mais próxima de um "avô" que eu achava por aqui, com o meu avô morando no sertão me fazia muita falta ouvir histórias e anedotas e ele preencheu esse papel por muito tempo. Quem ia lá tomar um sorvete num dia quente em Fortaleza dificilmente saía de lá sem uma boa conversa, um sorriso e umas risadas. Entre uma colherada e outra de um sorvete enganador só para fazer pilhéria "Prova esse daqui é bem docinho" e, de repente, tamarindo bem azedo que fazia a gente entortar a cara, ele ria e era uma festa só. A história de como descobriu fazer sorvete e do quanto, comparado a todos os outros o dele era o único sem aquele outdoor de coisas que ele mesmo fazia questão de enumerar: sem emulsificante, trigo, liga especial, glucose, gordura hidrogenada, catalisador, fermento, etc e etc. 
Cresci, apresentei a sorveteria para meio mundo, namorei naqueles bancos, chorei, tive brigas, ri bastante, vi muita coisa mudar e tudo graças a um sujeito que inventou de fazer do seu trabalho um ponto de ancoramento nessa cidade. Não é apenas pela perda física desse personagem icônico, mas sim de uma época, sensação, construção de histórias, da memória que passa e deixa os rastros. Ter o que contar e agradecer de conhecer tal pessoa. É a beleza de sentir um amor por alguém que não precisa ser explicado e apenas é. 

Comentários

Postagens mais visitadas