A morte e a morte de Quincas Berro Dágua





Fico imaginando um Brasil com Jorge Amado na ativa nos dias de hoje. Um país que de tão surreal, muito mais do que Macondo ou qualquer universo imaginado, de fato recria em si as maiores fábulas do absurdo.
Ao ler A morte e a morte de Quincas Berro D´água desse grande escritor que é Amado me pus ao exercício de pensar sobre essa Bahia de pele morena e brisa fresca que tanto envolvera o autor. Esse livro, mesmo que com o caráter de chacota e galhorfa, comum nos seus textos, mostra um Brasil sedento de diferenças sociais, destempero e que, no entanto, ao fim, se faz quase mágica.

Quincas morreu como merecia de morrer, não na primeira e segunda vez, mas talvez na terceira ou nas próximas de cada leitor ainda por vir. O que é instigante no texto de Jorge Amado é que em poucas páginas ele transforma um universo inteiro e Salvador volta a ser aquele pano de fundo de magia, cheiros e temperos que dominam o corpo, o sorriso involuntário no rosto, a certeza de se estar em um outro Brasil. Ou talvez essa seja a pegadinha, esse Brasil de Amado.

Eu quero saber mais de Quincas! Poderia ser um livro gigante falando da sua vida de boêmio ou desde quando não era isso, era um ser calado, sem graça, tomado pelas "Jararacas!" antes de se libertar. É tão sedutor esse malandro com mais de 50 que resolve fazer da vida uma nova e dar lugar aos prazeres, alegrias e oportunidades que ao ler sobre o seu fim eu só conseguia imaginar tantos outros começos. A escrita é envolvente do início ao fim e os passeios com Quincas pelo Pelourinho, vendo os casais se agarrando, os moleques fumando, o cheiro dos peixes nos barcos, a certeza de uma noite de lua bonita no céu faz com que a experiência não acabe quando acaba a leitura.

Terminei e queria mais! Muito mais! E daí, nessa edição nova da Companhia das Letras, o posfácio de Affonso Romano de Sant´Anna traz esse gostinho a mais. Imaginar que a história é ficção e realidade não tira de maneira alguma a beleza e sagacidade do texto, pelo contrário, só mostra o poder com as palavras que um romancista na altura de Jorge Amado tinha (e muitos outros poucos). Descobrir o "por trás" de Quincas Berro Dágua é curioso, interessante, mas não é isso o que impressiona na história. É a história por si só, os personagens: Quincas, Quitéria do Olho arregalado, Cabo Martin, Negro Pastinha, Curió, Pé de Vento e até Vanda.

Fazia tempo que eu não lia um Jorge Amado e talvez por isso mesmo imaginei tanto ele nos dias atuais, o que estaria ele inventando em meio esse caos todo? Que beleza ele poderia tirar dessa miséria em que estamos? Seria possível transformar novos olhares, cheiros e respiros desse Brasil de agora para ao menos conseguirmos superar com mais pinga, carnaval e festa o que está por vir?

E viva, Quincas!
"Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há!"

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