O sonho e o zepelim









Depois de seis anos do último show do Chico em Fortaleza ele volta à cidade onde a ‘culpa deve ser do sol’, definitivamente, e traz uma belíssima apresentação com direito à volta do malandro aos palcos. Do início ao fim, fez tremer o coração, atirou crítica social na escolha do repertório e foi do samba ao amor. Um show que começa Casualmente com músicas antigas, com um tanto de Chico romântico, mas ainda assim escolhendo muito bem de que amor cantar e de que mulheres levar ao palco com ele, seja Iolanda, A moça do sonho, a Bia, a que é feita pra apanhar e boa de cuspir... Nada nesse show foi ao acaso. Um cenário bonito, entre um fundo, azul até o vermelho vivo, muita luz, holofotes ao palco e uma conexão entre fios e uma órbita bonita que enchia o lugar. O show em si foi perfeito e o Chico até pareceu curtir uns momentos em que a plateia cantou mais alto – diferente de tempos atrás da sua última vinda aqui. Esse Chico fez questão de falar da família, de celebrar o fato de estarem lá, de cantar a composição e novas versões feitas com os netos. Um cara malandro, que tem mulher e filho e tralha e tal, que não perde a majestade de saber que ali é um momento de troca, onde um risinho de canto de boca basta para saber que ele tá sim fazendo um show onde a política tá ali presente. É uma crítica, é voltar a falar desse malandro do morro, de um país que caça e bate e violenta. De falar de uma mulher moeda de troca, onde os grandes a usam na hora que precisam pra depois jogar bosta, vaiar, pisar feito multidão que tá hoje pra decidir um cenário crucial e onde é essa violência que impera. E então o que fazer? Resta o amor, resta Outros sonhos, Sentimentos, não deixar ser a Gota d´água mesmo que pareça esse o caminho. Chico cantou resistência, trouxe Sabiá de volta aos palcos e dessa vez não teve vaia, teve muito aplauso, a coisa toda foi sobre deixar claro que a memória é viva e não se precisa repetir os mesmos erros a ferro e fogo. É necessário resistir e revidar e sambar e cantar. E como a gente cantou ali, cheio de vida. E no meio de tudo, quando já parecia ter chegado ao fim daquele sonho bom um presente pra mim. Pai, você estava lá. Você e o Zepelim! Fazia 21 dias de saudade, 21 dias onde toda noite ainda escuto você ali pelo quarto, onde as lembranças que estão comigo são as mais bonitas, mas ainda assim é um momento novo e estranho sem você aqui. Tento não pensar o tempo inteiro, porque sei também das coisas a fazer e de continuar e caminhar sempre em frente como você mesmo me falava e, por isso, quando vem memória de ti é assim de partilha, de amor. Lá a gente rodopiou ao som de Geni como se fosse ali no alpendre com a radiola ligada e outros tempos existissem em mim. Então eu chorei, chorei e sorri e voltar pro show, para aquele instante, foi voltar na lembrança do porquê Chico Buarque é uma voz que faz parte de mim. Da minha formação como pessoa, como mulher, como crítica nesse mundo que por vezes nos faz esquecer ou perder a razão, mas há algo ali no ponto crucial, no momento derradeiro, no ponto de luz, na hora em que aparece um zepelim prateado, onde o mundo faz sentido de novo e é possível respirar. Ontem foi uma noite de suspiros altos, samba para balançar a alma, mas também saber que o que vem por aí não vai ser fácil, que é preciso estar perto dos nossos, ter futuro no amor, não se afobar que nada é pra já e que o eco das antigas palavras irão de emergir. Somos mistura de Paratodos.  

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