Airton Monte e seu belo adeus

Airton Monte 





Nesta segunda-feira dia 10 de setembro faleceu um dos maiores cronistas aqui da nossa terrinha. Airton Monte psiquiatra, poeta, cronista, homem de bem, foi um dos grandes nomes de Fortaleza, nos deixou essa semana, porém com um legado lindo de produção (seja literária, seja médica, seja de amizades...)
A cerimônia ocorrida ontem na Praia de Iracema de despedida de suas cinzas, foi um dos eventos mais bonitos que essa cidade já viu. Simples, porém emocionante. Amigos e familiares reunidos, além dos que admiravam o seu trabalho e estavam lá para um bonito adeus.
Link do jornal o povo sobre a linda despedida de suas cinzas Clique Aqui!

Sua obra é vasta, mas gostaria de deixar um trechinho de uma que foi significativa para mim, pois foi o livro que primeiro tive contato dele Moça com flor na boca .

Crônica de abertura do livro Moça com flor na boca de Airton Monte.
"A esta hora tardia em que escrevo, o dia de amanhã já se anuncia no melancólico cantar de um galo insone, exilado na grande cidade. Claro que o mundo não pára enquanto dormimos. As coisas continuam acontecendo, seguindo seu próprio ritmo.

Quem sabe, em algum lugar, neste determinado momento, um bebê tenha acabado de nascer e a humanidade se engrandeceu mais um pouco, envolta no doce mistério da carne, como se nós todos milagrosamente ressurgíssemos do nada.

Na mesma escala do tempo, num botequim da periferia, compadre Raimundo matou compadre Francisco por causa de uma dose de cachaça pedida e recusada. Em uma cobertura luxuosa da Avenida Beira-Mar, um marido (respeitável cidadão) espancou outra vez a mulher só porque ela abraçou e beijou um velho amigo de faculdade. Trancado no quarto, olhos fixos na tela do computador, o filho de 5 anos sente o ódio envenenando sua dolorosa meninice.

Já no centro da cidade, que jamais dorme, maus meninos de boas famílias ateiam fogo a um mendigo bêbado, só para tornar a noite menos chata. Pela internet, um casal ainda jovem se ama por correspondência e usa nomes falsos e troca retratos fictícios.

Num sobradinho branco, de janelinhas azuis recém-pintadas, à beira do mar, um homem e uma mulher celebram no altar de Vênus sob as bênçãos de Afrodite. Num terreno baldio, uma criança é estuprada e morta pelo vendedor de picolés.

Na Praia de Iracema, as vendedoras de flores poetizam a noite sórdida. Dentro de um mesmo universo multifacetado, há, ao mesmo tempo, uma lua-de-mel, um velório de pai rico onde os filhos choram com advogado ao lado e com firma reconhecida. Ah, quantos dramas, quantas tragédias acontecendo agora enquanto escrevo, inclusive uma canção que se solta pelo ar, uma estrela cadente, uma nuvem esculpida caprichosamente pelo vento, um homem solitário recitando poemas de amor e seu coração gritando vida, meus olhos sonhando com a mágica visão de uma moça linda, com um sorriso de jardim suspenso da Babilônia e, certamente, irremediavelmente com uma flor na boca, que o poeta colherá inevitavelmente, imune ao veneno de todos os espinhos. (p. 7 e 8 )"

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