a beleza e a violência que é amar
Seria Marcos a presa fácil ou seria qualquer homem como Marcos? A espera de alguém que se anulasse (nem que sutilmente) para um outro, se despisse por completo por amor, ódio ou terror desse outro.. Foi ao som de Bethânia, Los Hermanos e Cazuza (tudo muito aleatoriamente já que me encontrava em um café), que cheguei ao fim da história de A., de Marcos, de Fabiana, de Marcela... Carola.
Flores Azuis é mais do que um livro indagando sobre o amor, é um livro que inventou um novo amor, ou melhor, falou de um amor que ninguém ousa falar, talvez até deixou em dúvida o que é então amar, ou mais... São tantos novos olhares, novas perspectivas nessa história, nessa brincadeira de escrever que faltou um espaço próprio para defini-la. Será então assim as relações contemporâneas, fantasmáticas até sua infinita possibilidade?
Não desejei um final feliz, ao mesmo tempo que sim, que foi o desejo de um possível encontro que me motivou a mastigar minunciosamente até o fim do livro. E quando este se fez próximo senti a possibilidade de não haver nada daquilo que esperava, de que ansiava para um mínimo de "final feliz" para Marcos.. Bem, mas o final que se apresentou, também não me foi nunca cogitado (isso não significa que não tenha sido brilhantemente bem bolado). É isso que torna um cidadão que escreve em escritor (de fato!), a impossibilidade, a surpresa, o tomar de assalto o leitor.
Carola de início me mostrou uma escrita um tanto simples e repetitiva, que não me cativou de maneira alguma, mas havia algo mais nessa 'simples escrita', algo que mais parecia um sussurro arrastado de A., que mais parecia uma conversa assim entre eu e você. O que me prendeu enquanto leitora faminta pela história de Saavedra, foi o fato de haver certos insights, como bons cortes e pontuações, quase com um quê analítico em certas situações. Foi isto que me instigou para a possibilidade, talvez, de haver algo a mais no texto do que uma certa palidez gramatical.
Tinha razão.
Foi a beleza das pernas de A., suas sandálias apertadas nos pés, seu vestido vermelho, sua nudez e apenas um colar de pérolas, um belo colar de pérolas em meio a seus seios e suas lágrimas, suas lágrimas que a mim pareceram em algum momento reais. Foi essa crueza de beleza que me levou a querer algo a mais, a acreditar que poderia, ao continuar, achar algo. Foi no hiato que me encontrei. Encontrei-me não apenas na história de A., mas também na de Marcos e na sua vontade (ou não) de se fazer ouvir, querer, ser desejado por completo por alguém, se iludir sabendo (ou sem saber), viver.
E então volto para o início (de quê?), será Marcos a presa fácil ou todos procuramos aquilo que o enfeitiçou, o prendeu? Carola colocou num jogo limpo a beleza e a violência que é amar, querer amar, deixar de amar, nunca deixar de amar. Flores Azuis merece uma boa reflexão acerca do que vivemos hoje nas relações, na possibilidade de se fazer alguém para um outro.
Se continuar a falar sou capaz de contar toda a história, ou pior, de resumi-la e, bem, a ideia é só de instigar.. Se tudo isso ficou confuso por demais, ou como uma ligeira associação livre, é porque foi assim mesmo que me senti depois desse turbilhão de "amor" no qual mergulhei e os convido a fazer o mesmo, se você não tiver medo de ousar amar...
"Porque há coisas que demoram em começar a existir."
"Mas o importante é sempre outra coisa, algo que nos escapa."
"Depois, calcei as sandálias de tiras, de salto altíssimo, aquelas que após algumas horas provocavam dores terríveis nos pés e nas pernas e que eu só usava para te agradar, lembra? Eu faria qualquer coisa para te agradar, as sandálias de que você gostava tanto porque sabia do incômodo que me causavam, as tiras apertando os dedos e o salto em que eu mal me equilibrava."
"E como será possível você mudar tanto de uma carta para outra? É, como é possível? Eu me contradigo, tem razão, eu me contradigo. Mas agora penso, talvez esteja justamente nessa contradição, nesse espaço que surge entre o que afirmo e o que nego, entre o teu sofrimento e a tua crueldade, entre o meu sofrimento e a minha crueldade, entre o meu corpo e o teu, justamente nessa incoerência a única forma de comunicação. Não será esse hiato, esse intervalo, o único lugar possível para o nosso encontro?"
Trechos de Flores Azuis de Carola Saavedra.
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