Finsterworld
Eu não sou nenhuma crítica de cinema, mas quando o filme vem com força total e desmonta e monta mil e uma peças na cabeça é porque merece todos os tipos de olhares, de críticos ou não.
Bem, o que dizer de Finsterworld? O filme é um longa alemão dirigido pela Frauke Finsterwalder, que agora que me vejo pensando sobre seu sobrenome tenho é medo se alguma história tiver correlação direta com a vida dela. A película traz diversas histórias entrelaçadas, o que parece ser também uma novidade no cinema, já que tantas histórias estão saindo com esse estilo. Dentro das histórias fica difícil escolher só uma pra se apegar mais, mesmo porque cada uma traz uma peculiaridade tão distinta da outra e acima de tudo causa um mal-estar e estranheza naquele que assiste colocando-nos a todo instante a refletir.
Claro, que não vou soltar grandes spoilers do filme como um todo, mas certas passagens para mim ficaram mais do que marcadas. E num geral posso sair dizendo o seguinte: sim, os alemães tem um senso de humor e humor negro que é muito particular. A visão de mundo e perspectivas é de dar medo e a sombriedade com que tratam o humano e suas possibilidades, essas as mais bizarras às vezes, não é tão irreal, mas como somos acostumados a uma realidade maquiada, então ela choca, choca e incomoda por demais.
Num total de 8 grandes enredos principais (a meu ver, pelo menos), com 12 personagens centrais, temos da perversão (e perversão social também) até a melancolia do indivíduo humano, sendo sutilmente ou ferozmente despedaçadas a cada instante. Para mim, as histórias que combinariam o mais extremo desses dois temas: o garoto Sandberg, o jovem amigo apaixonado e o pedicurista, são extremamente violentas para se olhar e pensar. E não, não adianta, porque durante o filme sua cabeça já fica explodindo em mil pedacinhos.
O texto muito bem escrito, principalmente nas cenas sobre política e história da Alemanha, sua percepção de cultura e país tanto para os que moram lá, como para os que a olham de 'lado de fora', é fortíssimo. O manejo da imagem com o roteiro é de matar (ou seja, o filme é todo mal-estar)! Com a inserção de personagens altamente HUMANOS, e humanos em seu pior sentido, em certos momentos parecia impossível crer que o diretor iria deixar os rumos dos personagens serem aqueles. Mas sim, era isso que acontecia, o absurdo acontecia, ou melhor, a lógica de mundo perversa a qual estamos inseridos e relevamos, pois não há nunca de se pensar o pior, mas sempre a premissa do "Vai dá certo... As coisas hão de melhorar..."; pois bem, essa não é a realidade estereotipada em Finsterworld, que mostra nua e cruamente o que há de real no homem.
Certos desfechos me causaram um extremo desconforto. O pedicurista desde do início uma figura notável, surpreende no meio do filme pela sua peculiar ligação com o que faz, com o que espera da vida, com a própria vida (não) vivida. A interconexão entre a história do garoto Sandberg e seu colega de classe, o tal 'jovem apaixonado' é uma sacada genial e ao mesmo tempo demonstra o fino da perversão social a qual chegamos. O outro (humano) sendo jogado às traças, a Lei sem valor algum e há trechos no roteiro em que diversas vezes isso é mencionado, juntamente com a ação em si de muitos dos personagens burlando e falsificando essa Lei.
Não seria uma ideia de bom ou mau imperando, mas para, além disso, uma reflexão do que nos tornamos e esperamos das relações humanas hoje. Como elas se constituem? Por que se dão? Que mote estranho há por detrás de tudo? Laço social, o que é isso? Viver em comunidade, em respeito ao outro, na igualdade, isso é, de fato, possível? Finsterworld grita um severo não! Ou melhor, grita um estranho "Estamos aqui, é assim, não vê? Ou não quer vê?" E deixa do início ao fim o espectador numa aflição sem conta sobre a vida, sobre o outro do seu lado que talvez você nem conheça tão bem quanto acha, Finsterworld nos indaga sobre o que é viver hoje.
Um filme instigante, vale muito a pena procurar e assistir. Ficou em cartaz durante o festival de Cinema Panorama Alemão aqui em Fortaleza, dias 14 a 21 de novembro (encerra hoje), no Cinema do Dragão-Fundação, no Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura.
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