Domingo

Era domingo, Ana acordou e pela primeira vez depois de anos não encontrou aquele sorriso bobo e o desejo de bom dia que sempre a acompanhava. Jorge não estava lá. 

Era domingo e finalmente tivera coragem para pedir Ana em namoro. Fazia quase um ano que os momentos mais alegres eram aqueles partilhados. Quando acordavam abraçados ou quando podia observá-la com um sorriso no rosto, Jorge sabia que ele a fazia feliz, apesar de nunca aceitar que fosse algo bom para ela, ou como ele mesmo repetia ' você merece algo melhor'. Mentira! Na verdade, ela mudara sua vida e seu maior medo era perdê-la. Ana, apaixonada como estava sofria por tudo aquilo, sabia da dificuldade de uma relação com alguém mais velho, mas para Jorge a questão não era apenas isto, mas toda a tormenta de uma vida não vivida que o afligia. Vinte anos de culpa, vinte anos a mais se achando um sub, vinte anos de um passado que não mais voltava, mas que religiosamente o assombrava todos os dias. 

Foi num domingo que ele desistiu de tanto medo e resolveu tentar, resolveu enfim amar, sem pensar muito, apenas aceitando que aquele sorriso o ajudava, o fazia feliz, alguém melhor. O dia em que foram morar juntos foi um dia chuvoso e ambos adoravam chuva, lembrava mudança, melhora, remetia a algo novo, possível, mais claro. 

Por três anos aquele sorriso era o que segurava Jorge. Por mais difícil que fosse equilibrar o trabalho, os filhos do primeiro e único casamento, as dores de ser ele, Jorge tinha Ana. Linda, sorridente, amorosa e ao seu lado, nas suas dores e fracassos. Mas o que seria da vida sem um toque amargo? Não era possível tanta felicidade por tanto tempo e não foi em um dia de chuva, mas num dia ensolarado, daqueles clichês de dia lindo, que Ana não acordou. Ao sorrir pela manhã e não obter resposta, Jorge se desespera e a leva para o hospital. Do susto, descobre o quanto Ana é sua vida e que ela merecia algo melhor, não havia dúvidas. Merecia um Jorge melhor.

A vida pode ser terrivelmente curta. E podemos atravessá-la sem nos darmos conta do que realmente importa. Jorge finalmente começara um novo capítulo de sua vida, do qual sempre relutou, do qual sempre teve medo. Falou para seu amor que iria começar seu sonho, ali mesmo no quarto, naquela espera por Ana, começara seu livro. A beijou, pediu desculpas, programou a viagem que nunca fizeram, sorria como nunca e viu Ana chorar. Já a fizera chorar diversas vezes, mas agora era diferente, sabia que era um choro do qual ela ansiosamente esperara. Nunca soube o que era amar, mas aquilo que sentia se aproximava verdadeiramente de algo que pudesse ser e dessa vez não teve medo. Se percebeu feliz, se aceitou assim. Ana, ainda tinha de ficar um dia em observação, queria ficar com ela, mas já estava virado naquele quarto desde que a levara às pressas. Sabia que o melhor era ir buscá-la cheiroso, na melhor roupa, só para fazê-la rir. E com um pedido que ela jamais esperaria dele, mas que secretamente sonhava todos os dias.

Saiu. Comprou o anel mais lindo que encontrou. Ia buscá-la. 

Era domingo, Ana acordou e pela primeira vez depois de anos não encontrou aquele sorriso bobo e o desejo de bom dia que sempre a acompanhava. Jorge não estava lá. 

Era domingo, Jorge havia decidido viver, havia chegado sua hora. Fazia um dia lindo, era um dia ensolarado.