Perdido na multidão - Airton Monte
Lá vinha eu andando pela rua como se tivesse todo o tempo do mundo à minha disposição. Feriado nem era, muito menos dia de folga. Havia compromissos a cumprir e, como se sabe, são implacavelmente cruéis os ponteiros dos relógios. Se não me falha a memória, aproximava-se a hora fatal do meio-dia, quando o afã de ir e vir contagia as pessoas como epidemia. Parei, olhei em volta e senti-me um ilustre desconhecido. A pressa se fora de mim, gotas de suor levadas pelo vento no nervoso centro da cidade.
Pessoas apressadas passavam por mim como se eu fosse invisível e seguiam em frente, rostos tensos, olhos baços e tudo a meu redor era perpétuo movimento. Veio-me uma aliviada impressão de que só eu não pertencia a atormentado rebanho em disparada. Será isso a que chamam de progresso e civilização? Se for, sou um selvagem e sinto uma secreta satisfação por não ter me tornado um desses amontoados de nervos, músculos, olhos, corações, mentes que apenas seguem o rumo da boiada, sem sequer um mugido de revolta.
Pensando bem, jamais fui de pertencer a rebanhos e matilhas. Tanto que no futebol me criticavam muito por ser individualista. Nunca permiti que minha individualidade se perdesse em meio ao anonimato coletivo. Por isso escrevo, delimito meu território, me afirmo, me nomeio, existo, sou. Persigo eternamente o que me faz diferente dos demais. Nada de ter saudades do que fui e ranger de dentes pelo que deixei de ser. Minha procura é pelo que ainda desconheço de mim. Sou o Sísifo de mim mesmo. Caixa de Pandora, Cornucópia, Pandemônio, Pasárgada, Terra do Nunca.
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