Se cada día cae














            Nesse último livro de Pablo Neruda uma coisa fica clara, a genialidade desse escritor e sua delicadeza perante as coisas existentes ao seu redor. Quase todo livro de Neruda envolve uma temática que por determinada época, aquela época específica o chamava a atenção, captava seu olhar e emoção perante ao vivido.
            Já tivemos pássaros, barcos e o mar, a terra e nesse vemos os sinos. O poeta volta ao mar e os evoca a cada poema, a cada clamor como se fossem velhos amigos, como se agora, na saudade, tudo mais tocasse como a melodia desses sinos, tudo mais despertasse. O livro dessa edição se torna ainda mais interessante porque podemos lê-lo em sua língua mãe, a edição bilíngue proporciona a leitura com sonoridade que só alguns poemas no original possuem. Assim como o mar, a leitura parece uma onda às vezes gigantesca que nos banha por completo e nos cala, às vezes como pequenas ondinhas que a cada pulo nos arremessa ainda mais profundamente ao que o poeta nos quer mostrar.

            Últimos poemas, foi o último livro escrito por Ricardo Reyes, mais conhecido como Pablo Neruda seu pseudônimo desde 1920. Na descrição do livro consta que o mesmo foi concluído já em seu leito de morte em setembro de 1973. Se ao chegar ao fim Neruda ia com tanta lucidez,apesar da nostalgia e até um pouco de melancolia diante de sua condição, a capacidade do livro tocar ainda mais com poemas que se tornaram marca de sua pessoa mostra que nada foi perdido nem nos segundos finais.

            Matilde seu grande amor é novamente celebrada neste livro e ganha um dos poemas mais bonitos e esteticamente bem posicionado ao final, tanto no título quanto na obra. É com FINAL que Neruda nos traz um verso lindo dado a sua amada "Foi tão belo viver/ quando vivias"

             Alguns poemas tem um apelo tão grande ao toque sensível de suas mãos, mas seria por demais colocá-los todos aqui. Quem sabe com apenas alguns a curiosidade já desperte, não apenas para esta obra do grande mestre, mas para a curiosidade da procura "quem haveria de ter sido Pablo Neruda?", poeta chileno, político fervoroso, homem crítico e sem medo de falar o que pensava, indivíduo sábio perante as coisas que o mundo lhe mostrava e também do que não lhe mostrava.. Pablo Neruda poeta e amante mais aclamado, e com razão, desse século XX. Neste ano de 2013 faremos 40 anos sem sua presença, sem seus textos, seu romantismo... Que Neruda seja lembrado e devidamente celebrado!!


Si cada día cae
dentro de cada noche,
hay un pozo
donde la claridad está encerrada.

Hay que sentarse a la orilla
del pozo de la sombra
y pescar luz caída
con paciencia.

Pablo Neruda - Últimos Poemas


Se cada dia cai
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.



Acontece

Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.

Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.

Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.

Que entrevista espaçosa e especial!

Pablo Neruda - Últimos Poemas



Cada dia, Matilde

Hoje a ti: és esbelta
como o corpo do Chile, e delicada
como uma flor de anis,
e em cada ramo guardas testemunho
de nossas indeléveis primaveras:
Que dia é hoje? O teu.
E é o ontem amanhã, não sucedeu,
nenhum dia se foi de tuas mãos:
guardas o sol, a terra, as violetas
em tua breve sombra quando dormes.
E assim cada manhã
presenteias-me a vida.

Pablo Neruda - Últimos Poemas

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