Uma carta para Flor

Minha filha,

Tento escrever essa carta a tempo, porque as coisas não andam bem. Não sei em que momento você retornará para mim. Me desculpe pelas vezes em que quis que você não viesse, mas não me encontrava preparada para esse reencontro. Ultimamente ando sonhando muito com você e me deu uma alegria saber que está tudo bem, a hora ainda não é agora. 

Ontem porém você foi requisitada novamente e por uma das pessoas que você mais ama, mesmo sem conhecer. E talvez esse pedido, essa certeza da finitude das coisas e angústia da vida me fizeram garantir sua presença hoje mesmo que em escrita no mundo. Talvez você não conheça as pessoas que mais aguardam você, seus avós, mas saiba com certeza que eles vivem na expectativa aqui. Sua mãe é que ainda não preparou bem a vida pra receber você. 

Esses dias o meu pai anda pior e é tão difícil de vê-lo assim. Seu avô sempre foi um homem tão forte, seguro de si, duro às vezes, mas um pai maravilhoso que dentro das possibilidades dele me deu de tudo e mais. Tive muita sorte na vida, sempre fui desejada, da mesma forma que você é. E demorei bastante pra chegar por essas terras, mas quando vim foi na hora e tempo certo, com a família certa e até hoje isso foi o que me fez continuar. Acredito que assim será com você. Calma, passarinho. 

Acho que sua presença está sendo requisitada, porque um dia as coisas acabam, ou pelo menos os propósitos da vida quando adoecemos e não sobra muito o que fazer. Seu avô sofre demais, por longos dez anos as coisas pioraram e ele se tornou um outro homem, é difícil assistir a esse sofrimento e é difícil me aproximar mais quando em certos dias ele acaba descontando em todos por perto. Mas ele é uma pessoa excepcional, não imagino minha vida sem ter conhecido seu Antônio, minha teimosia, insistência, vontade de viver aprendi com ele. Acreditar em mim e que posso muito mais do que penso ser capaz veio do homem que sem nada construiu uma família, se graduou naquilo que desejou, montou uma nova vida, fez casas, assim do nada, pedra por pedra levantada por ele e que proporcionou pra família, apesar de todos os fantasmas e tormentas, um lar. 

Seu avô ia ficar feliz de conhecê-la, talvez até o animasse um pouco, mas a vida é tempo e nesse desencontro de Tiquê eu deixo para um dia te contar, feito canção de ninar, o quanto você foi amada mesmo antes de ser, Flor brotada em chão.