Outro silêncio - Alice Ruiz S (haikais)



Dia desses estava enfadada em casa e realmente sem muita perspectiva de como continuaria por certos caminhos de vida escolhidos, então decidi ir à uma livraria para botar as ideias na cachola ou apenas esquecê-las um pouco (coisa comum).

Me deparei então com esse livro da Alice Ruiz que já paquerava há um bom tempo, mas ainda não havia parado para apreciar realmente e ler. Foi quando, logo no início das páginas me deparei com a bela introdução da escritora sobre a escolha da escrita com os haikais e sua significação. Entrei em outro universo.

Haikai é  menor forma poética existente. Com apenas 3 versos e no máximo 17 sílabas, 5 sílabas no 1º e 3º verso e 7 sílabas no 2º verso.
O 1º verso é composto de uma imagem estática, o 2º movimento e o 3º apresenta a manifestação daquilo que foi apresentado, sem necessariamente ter uma possível conclusão.
Trata-se sempre da natureza. Deseja ultrapassar a ideia do eu, esquece e ignora esse lugar narcisista, egóico do humano.

Enquanto lia toda a descrição de Alice sobre o surgimento e uso da poesia dos haikais o pensamento foi fluindo e se dissipando. Fiquei a me questionar esse modo ocidental de tanto eu, do lugar do homem, de um senso antropomórfico, na literatura em geral e do quanto alguns dos livros que fugiam disso, que eu já havia lido, eram de fato do lado oriental da bola do planeta. Se, de início, minha demanda de ter saído de casa era com relação a minha vida, algumas dores e incertezas, me deparar com esse pequeno, porém potente livro me levou pra um lugar outro de pensar nessas mesmas dores e incertezas. E gratuitamente passei a realocar meu olhar sobre meus problemas. E isso foi inesperado.

Alguns dos haikais escrevi no meu caderninho

"a coruja pousa
no alto da lâmpada
e sai chiando."

"um fio de fim de lua
na manhã ensolarada
ainda brilha."

"o mar deságua
redondo e leitoso
reflexo da lua."

"a casa vazia
só a voz do morto
rádio ligado."

"balança ao vento
o trevo-de-quatro-folhas
suas três flores."


Recomendo, para dias de tempestade interior. A natureza falará. 

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