A última despedida do ano

Um ano que deixou viúva a poesia, não podia ir embora sem fazer a brincadeira vadia de levar mais um dos nossos.
Mário Gomes, nosso poeta da rua, encantador do (im)possível, nos deixa hoje. No último dia de um ano difícil, no último dia de um ano vivido, aqui ficamos mais uma vez e essa coisa da poesia morrer, não morre não. Os que ficam compartilham da necessidade de continuar a gritar.

2014 está sendo um ano difícil até o fim. Difícil de aceitar tantas perdas poéticas. Foi um ano que levou muitos dos que resistiam ao sistema cruel, a cidade que não permite, ao enclausuramento das horas.

Mário Gomes resistia. Na sua sofrência ou felicidade pessoal de ser andarilho do mundo e de si, mostrava força no que se é possível fazer, mesmo que todos pensem o contrário.

Vai, poeta, vai bem. Teu legado fica, não cabe mais a ti as andanças de si, mas muitos outros não esquecerão e virão.



Matéria do jornal (aqui)




Elegia transcendental - Mário Gomes

uma estrelinha no céu morreu.
as outras fizeram-lhe enterro.
as nuvens choraram.
a lua fez o velório.
jesus celebrou uma missa.
e eu fiz esta elegia.
enquanto o céu ficava de luto.




Quando eu morrer - Mário Gomes

Quando eu morrer

Irão distribuir minhas camisas,

Minhas calças, minhas meias, meus sapatos.

As cuecas jogarão fora.

Ninguém usa cueca de defunto.

Irão vascular minha gaveta.

Vão encontrar muita poesia,

Documentos e documentários.

Só sei dizer

Que foi gostoso viver.

Sentir o amor e proteção de minha mãe.

De conhecer meus irmãos, meus amigos.

De vê de perto as mulheres.

Só posso deixar escrito:

“obrigado vida”.


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