O carteiro e o poeta- Livro de Antonio Skármeta
“É que a senhora não lê as palavras, mas engole. Tem
que se saborear as palavras. A gente tem que deixar que elas desmanchem na
boca.”
Antonio Skármeta – O carteiro e o poeta
Segundo o prólogo do livro, ele foi iniciado e
terminado após 14 anos de trabalho. Skármeta mostra para nós, em O carteiro e o
poeta, o quanto a poesia de um homem ultrapassa suas obras e adentra universos
outros onde ele nem ousava haver pisado. A história poética da amizade de Mario
Jiménez e Pablo Neruda em meados dos anos 1969(anos 70?) é o que embala todo o
desenrolar dessa linda história tecida por Skármeta.
Seu trabalho inicia-se na realidade com outros
propósitos, a ideia era fazer com que Dom Pablo falasse de suas mulheres. Bem,
isso acabou não dando certo, mas dessas tardes com o poeta saiu essa novela,
incrivelmente bem escrita e cheia de sonhos e poética inigualável. Certas
palavras colocadas no lugar exato, expressões
fortemente bem introduzidas e pensamentos fielmente concernentes ao
retrato de Neruda, ou pelo menos como o imaginário me manda pensá-lo, nos faz
sentir como que postos na Ilha Negra, tomando vinhos com Mario e Beatriz e
dançando aquela valsa boa com Neruda e Matilde.
A história começa calma sem muitos aperreios apenas
contando a trajetória de Mario diante da vida e de suas dúvidas com relação a
si próprio. Assim como o mar da ilha, esse começo parece calmo até
intempestivamente mudar os rumos e nos aparecer enquanto vizinho próximo
Neruda. O desejo de Mario, um jovenzinho de 17 anos, é de ter dedicado pelo poeta
em seu livro Odes Elementares, a qual compra para que consiga ter assunto nos
curtos momentos de entrega de suas cartas, “ A meu íntimo amigo Mario Jiménez,
Pablo Neruda”. Mas esse desejo não era de um fã incondicional das obras de Dom
Pablo, ou com um espírito comunista que emanava de Mario. Não, esse desejo era
de com a intimidade ser possível angariar aquilo pelo qual Neruda sempre foi
mais conhecido, arrebatar o coração das donzelas de todo o mundo, e as de Ilha
Negra não seriam exceção.
No decorrer da insistência de Mario, uma amizade cresce
entre os dois, poemas a beira-mar, saídas em plena praça pública, visitando os
bares como velhos amigos. Até que num dos dias comuns à Mario, algo o arrebata
muito mais do que qualquer coisa antes sentida e impossível de explicar sem o
uso de belas e suculentas metáforas, que este por sinal, acabou se mostrando um
exímio articulador delas. Mario vê Beatriz e é ai que, já cheio de amor e
riqueza, o texto de Skármeta se torna ainda mais precioso. Temos então o que sempre embalou vida e obra
de Neruda adentrando outras histórias, tecendo sempre pelo seu caminho um quê de paixão.
Não me prolongando na história, mesmo porque o desejo
não é contá-la para vocês, mas sim instigá-los aos que ainda são virgens nessa
aventura para embarcar o mais rápido possível, pois por mais definitivo que
seja a literatura impressa, ainda não acredito que passei tanto tempo sem essa
beleza comigo. Descobri Skármeta por sorte do destino. Assisti ao filme de
Michael Radford e simplesmente desmoronei. Procurei então no dia seguinte o
livro e foi logo o primeiro achado na livraria, tudo pareceu muito uma
conspiração para que eu continuasse na minha fase Neruda. O mais interessante é
o quanto o início do livro foi muito bem reproduzido no filme de Radford, com
algumas singelas alterações para película, mas que de início não pareceu fazer
tanto efeito, pois a obra cinematográfica é tão acalentadora e poética quanto a
de Skármeta. Porém, depois de iniciada a leitura e percebendo uma história com
rumos diferentes, me senti mais inclinada (sempre talvez) a indicar a obra
escrita em detrimento da cinematográfica. Por mais que o filme tenha sido o
grande motivo de me levar ao livro (poucas vezes isso ocorreu, quando é o
inverso normalmente evito assistir ao filmes com medo de perder a fantasia que
construi da trama), Skármeta produz um ambiente histórico, fantasioso, poético,
dramático, real e surreal demais para que deixe de ser lido. O modo como ele
tece a história, posicionando Neruda enquanto poeta e homem comum, sua vida
pública da época atrelada a versão de sua novela, é no mínimo um retrato muito
rico e inventivo desse chileno que até hoje é marco de diferentes formas para
seu país, para todos que apreciam sua obra.
Tenho por Neruda um apreço imenso, talvez por isso
adicionei ainda mais paixão a um texto um tanto já apaixonado. O carteiro e o
poeta de Skármeta é uma dessas obras que marcam, livro curto, mas que eu me demorei
semanas para acabar, só para não ter a sensação de que haveria um fim. Indico à
todos que apreciam uma boa novela, com algumas surpresas, um narrador um tanto
comprometido com os fatos e personagens que são para guardar na memória, poucos
tem essa dádiva.
“Eu volto ao mar envolto pelo céu,
o silêncio entre uma e outra onda
estabelece um suspense perigoso:
morre a vida, se aquieta o sangue
até que rompe o novo movimento
e ressoa a voz do
infinito.”
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