Namorados, namorai - Crônica de Airton Monte

   





    Dia dos Namorados, se namorada tivesse, nem lhe dava presentes, fosse jóia ou vestimenta. Apenas namoraria, andaria de mãos dadas pelas ruas até chegar numa pracinha, polvilhada de flores, e diante dos olhares invejosos dos passantes, a gente se beijaria como quem descobriu o amor recentemente.

     Não, nada de ficar isolados do resto do mundo. Antes dividi-lo, vivê-lo, compartilhá-lo como um pão, cada um de nós senda cada vez mais cada um e assim mesmo, inseparavelmente unos.

      Amar não significa anular-se, desistir do eu, amoldar-se á ideia e semelhança do outro. Amar é entregar-se, é dádiva, ofertório, jamais um suicídio do ego. Isso diria eu à namorada, se namorada tivesse. Diria, também, que o amor exige um tantinho que seja de mistério, sedução, surpresa, encantamento, espanto, descoberta.
              
     E, assim, eu e minha namorada avançaríamos pelo dia, vivendo com intensidade de chama o que nos fosse dado para viver. Não haveria entre nós receio algum de cruzar essa balouçante ponte entre dois abismos chamada amor. Depois, iríamos, olhos de lua cheia, corações febris, em busca do amor, da Praia de Iracema como se ela ainda existisse e fosse minha Nêmesis, minha Pandora.

      E lá, na borda da velha ponte derruída, como um marinheiro à proa de seu barco, diria à namorada que o mar é mulher e outras tantas loucuras, sublimes mentiras que se dizem , ensandecidos de paixão, os namorados. 

      Quem sabe as musas me favorecessem e de mim nascesse um poema ou uma canção bem tola de amor que perguntasse se ela queria ser minha namorada e se ela dissesse sim, seria porque o pôr-do-sol já enfeitaria o céu e ela me olharia com indizível ternura de que os poetas sempre andam em agoniada precisão, sob risco imediato de morte súbita. Dia dos namorados, se namorada tivesse, apenas namoraria, mais ainda.

10.06.2003




E pra acompanhar tal lindeza de amor que é amar


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