Ninfomaníaca - Lars Von Trier

Ninfomaníaca, filme de Lars Von Trier, conta a história de Joe, do seu início até o fim, que curiosamente é o que dá início à trama. Exatamente, o quebra-cabeça começa daí. O interessante na narrativa de Lars, além do bafáfá todo que foi em torno do filme e que ele seria puramente sacanagem é que, conhecendo a trajetória de Von Trier no cinema, certamente a sacanagem mental ia prevalecer e assim ele o fez novamente, pelo menos nessa primeira parte. O filme é densamente psicológico e mostra uma Joe diferente do que EU esperava, pelo menos, de tanto ouvir os comentários de outros.

O que Lars traz não é uma perversa jogando, pelo menos, não na ação e sim no discurso. O discurso de Joe é completamente moral desde o início da trama, talvez isso até esconda outras fatos, mas só a segunda parte pode me confirmar. No entanto, nesse primeiro momento a dor psíquica é de outra ordem e o ato de falar se tornou extremamente necessário, claro, acompanhado de alguém para realmente ouví-la. As metáforas saídas de Seligman e Joe para que sua vida seja narrada são extremamente afiadas e alguns momentos de introspecção são certeiros. O que é o amor? O que significa amar? O que se ama? O quanto de si se estende para o outro? Ou seria o Outro o grande culpado de tudo? Até onde nos importamos? Até onde somos agentes de nossas ações? E desejos? E realização ou não dos mesmos? O que é a vida? O que podemos fazer dela? Você tem medo? Medo de quê? 

Podemos nos esticar e pensar o por quê de uma mulher? O por quê de retratar uma mulher enquanto uma ninfomaníaca e usar tais termos como "certo e errado, ser humano ruim, doente, má" durante todo o filme, assim a personagem abrange a si mesma. O sexo feminino ainda é, até hoje, alvo de um machismo tremendo. Se a mulher é dona do seu corpo, de suas ações, de seus desejos ela é vista como vadia, puta, imoral, vaca, etc.. Ela não tem o direito de se expor, pois é suja. No caso de Joe pensamos para além disso, obviamente (já que se trata de alguém com ninfomania..), mas por quê uma mulher? Ainda assim é algo a se pensar, não é por acaso, nada o é, muito menos toda a mídia em torno das cenas de sexo, de chamarem atores pornôs para compôr a trama, enfim. 

O olhar mudou, em um texto de Joe ela diz: "algumas pessoas acham que o ninfomaníaco tem vários pares porque nunca se satisfaz, então tem de procurar prazer em vários diferentes... bem, na verdade, penso que procuro sempre algo único que algum vai me dá dentro de uma dessas relações, então no fim, só tenho um amante..." Essa parte (e talvez minha releitura se aproprie de outros fantasmas na trama) me foi bastante intrigante. O preenchimento dos vazios, quando ela diz "preencha todos os meus buracos" aquilo me encheu os olhos! Quer coisa mais humana?! É isso, estamos sempre na procura pelo outro para que esse nos complete e no fim o que me sai é uma contínua incompletude do ser.

A Joe com sentimentos, muitas vezes confusos e que se bordam numa fala metafórica com Bach, árvores ou matemática, mostram que Lars não perdeu a mão e que traz com Ninfomaníaca uma pitada de humor ao instigar aquilo que o outro mais deseja e não pede, frustando (muitos da platéia) e mostrando a vulgaridade do humano, em seu sentido mais profundo, aquele que fica escondido, porque falar que todos já tivemos um pouco de Joe é escandaloso e absurdo demais, "aquilo não é normal, não é certo, não é do bem".

Assistam Ninfomaníaca, sozinhos ou acompanhados.

Relaxem, talvez vocês não sejam capazes de gozar em pleno cinema, talvez algo mais profundo acabe incomodando mais...

Ps1: parabéns para atuação da jovem que faz a Joe na juventude = Stacy Martin

Ps2: Shia LaBeouf você tá sempre surpreendendo, um ator e tanto!!

Ps3: Lars Von Trier que modo de acabar a parte 1 do filme, sai extasiada e ao mesmo tempo mal vendo a hora da segunda parte estrear.