Últimas conversas - Eduardo Coutinho (doc)


Depois de muito adiar, o momento da escrita se torna necessário (e possível). Assisti ao último documentário de Coutinho há dias, logo na primeira semana dele em cartaz no Cinema do Dragão do Mar, mas o que me tomou depois que saí da sala de projeção não cabia em palavras, não cabia num texto, não cabia nem em mim. Só agora, depois de revê-lo nessa quarta-feira, acreditando ser o último dia dele em cartaz, mas já entrando na quarta semana seguida- salvo engano, a escrita se tornou mais fluida, menos pessoal (será?) e possível.

Descobri o trabalho do Coutinho através de uma professora querida, hoje colega, amiga de passeios e leros sempre que possível. E foi pelo olhar e escuta desse cara que me apaixonei ainda mais pela possibilidade de contato com o outro. Ele tem uma forma muito particular de deixar falar, deixar fluir. Claro, há tempo pra tudo, mas ele conseguia arrancar do desconforto do silêncio, tempos indescritíveis. Sugiro assistir tudo que esse cara já fez, se você é ou não um conhecido de sua obra, mas hoje irei me ater ao "Últimas conversas", ou minimamente tentar tal ato.

 


Últimas conversas, é o último documentário assinado por Coutinho, ele foi montando depois do seu falecimento em 2 de fevereiro de 2014, por Jordana Berg, que trabalhou com ele nos seus 12 últimos trabalhos. E também levou a assinatura de João Moreira Salles, que terminou o filme. 
Coutinho deixou 32 horas de material gravado e, por fim, o resultado foi esse contorno entre o homem por trás das câmeras, sua inquietação frente seu objeto e dificuldade desse encontro, chegando a duvidar de si mesmo dentro desse processo criativo.

O Coutinho que vemos nesse filme é alguém que anda em conflito com aquilo que pensou e com o material que tinha em mãos, com o que andava a produzir nos últimos tempos, com a sua própria relação com filmar. E é interessante ver o papel das outras pessoas do setting o instigando e o quanto ele tem uma posição firme e de embate com alguns dos entrevistados.


Adolescentes de escola pública do Rio de Janeiro são convocados a falarem de si. Das suas histórias, possíveis angústias, enfim, a se desvelarem e isso é ao mesmo tempo um convite incrível assim como algo devastador, pois segundo o próprio Coutinho no início do filme "a memória pra um adolescente é o quê? É algo muito diferente do que é pra nós.." Além de claro acreditar que as certezas que são próprias da adolescência e a castração inerente dos pais para com um jovem desses atrapalharia uma conversa realmente mais 'sincera'.

Alguns depoimentos do filme desconcertam, outros são a beira do tragicômico, as pontuações às vezes perdiam o timming, coisa muito estranha de se ver com um cara como o Coutinho que conseguia fazer de uma intervenção um mar de possibilidades e do silêncio brotar céus. O quanto desse homem estava lá? O que havia mudado? O que o fazia não dar tudo de si, ou minimamente duvidar.

 

 

Eu gosto muito do depoimento desse garoto, é interessante de observar os momentos entre os dois, é quase desconcertante pensar em momentos de vida de forma tão forte, tão sem sentindo, ou tão cheio de sentido próprio. É curioso pensar tempo, espaço, memória e finitude vindo de alguém já tão cheio de dores, supostas certezas e, ao mesmo tempo, no início de novos momentos de vida.

"Adolescente é foda!"

 

 



"Devia ter feito um filme com criança." Algo desde o início repetido pelo Eduardo Coutinho e o desenrolar dessa pontuação no filme é de tirar o ar. Há algo de muito pessoal do homem para além do cinegrafista nesta filmagem. Há algo muito real para se lidar e talvez por isso ele desconcerte tanto.

Pra mim, foi um documentário agridoce. Ele virou o que virou pela própria consequência de não ter mais o Coutinho para pontuar direcionamentos de montagens, ao mesmo tempo poderia ter sido uma outra coisa qualquer e não saberemos nunca. Na verdade, é isso mesmo, foram as Últimas Conversas e o legado dele para o documentário brasileiro tá mais do que registrado.

Teria muito pra dizer, devo ter esquecido milhões de pontuações importantes, mas na realidade o que importa é que cada um também vai ser arrancado de seu lugar de espectador de uma outra forma.

Pessoal de Fortaleza, ainda tá em cartaz no Cinema do Dragão do Mar, na sessão das 16 horas. Aproveitem pra ir e também revejam (ou vejam): As canções, Edifício Master, Santo Forte, Jogo de Cena, Cabra marcado para morrer e outros tantos.


Pois é, Coutinho, ter fé é realmente difícil, porque a vida é vida e morte!








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